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Não tenho medo de demônios, mas, corro dos que acreditam neles.







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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Bobalização,novos tempos, novas exigências

Numa conversa sobre as 'coisas' dos brasileiros, um dos meus amigos ressaltou: 'não podemos esquecer, que o povo brasileiro saiu do analfabetismo e foi direto para a televisão..."
Quando surgiu a televisão, a ideia de ver algo que estava acontecendo em outro lugar era fantástica.
As imagens eram transmitidas ao vivo, até que desenvolvessem o 'video tape'.
Ver tevê era quase um delírio, e como nem todos tinham o aparelho, era comum ir-se visitar quem tinha, para ter aquele novo prazer.Vestiam-se paletós ou 'tailleurs' geometricamente cortados.
As pessoas iam ocupando cada vez mais tempo sentadas no sofá, com os olhos pregados na tela, para não perder nenhum detalhe. Antes do 'vídeo tape', quem visse, viu...
Esperava-se o intervalo comercial, que era a hora do 'reclame', para correr ao banheiro,passar na cozinha e pegar um cafezinho e mais uma fatia de bolo de fubá, e voltar correndo para ver o programa.
Tanto que, o hoje conhecido 'plim-plim' deve ter surgido para satisfazer esta necessidade: alertar os distraídos ou demorados que o 'reclame' já tinha terminado e era hora de voltar para a sala. Se bem que hoje já seja comum ter um aparelho em cada cômodo e não haja mais risco de perder a cena da novela.
Mas, a fúria do povo por aquela nova mania chamava a atenção dos preocupados analistas da sociedade e do comportamento humano.
Discutia-se se a televisão não seria um perigo para a sociedade, para o desenvolvimento das crianças, para a integridade dos costumes...
A questão eram as 'pouca-vergonhas' que apareciam nos programas, como os beijos das telenovelas, por exemplo.
Também havia alguma preocupação com o fato de que as crianças iam deixando as velhas brincadeiras do quintal e da rua, para ficarem como que hipnotizadas pelos desenhos animados importados.
Questionava-se ainda, se a influência de tanta informação estrangeira não prejudicaria o amor à pátria. Para muitos a televisão era algo pernicioso, um grande problema.
A facilidade da imagem, entretanto, exerceu seu poder e viscejou altaneira, com golpes cada vez mais imbatíveis: O 'video tape', a imagem colorida, a alta-fidelidade e agora a tevê digital, com imagem em 'high definition'. Já não há mais qualquer preocupação com os efeitos que possam advir.
Nos velhos tempos, os que trabalhavam como atores, para chegarem ao sucesso, tinham que ser um pouco heróis.
Além de mil obstáculos práticos, como ter que mudar para o Rio de Janeiro e conseguir uma oportunidade, tinham que ter muito talento e muita garra para conseguir um lugar e para enfrentar os preconceitos, pois a sociedade qualificava as atrizes como prostitutas e os atores como transviados.
Não era fácil.
Mas todo mundo gostava de vê-los.
Aí chegaram os 'video games'. Outra febre.
Nem deu tempo para se desenvolver a discussão sobre os danos que os 'games' pudessem causar e surgiu o computador e com ele a Internet.
E é o Orkut, e são os 'sites' de convivência, e são os 'chats' e os blogues, com o agravante de que, agora tudo isso pode ser portátil e tanto fica muito mais intensa a força viciante, como mais fácil a satisfação do vício.
Se pensarmos que o povo continua analfabeto e a maioria dos alfabetizados ainda não dominam nem as regras da língua, nem a livre expressão de idéias e nem têm realmente idéias concretamente estruturadas, podemos dizer que a alta tecnologia desenvolvida, com seus maravilhosos recursos,e fortemente apregoada como necessária a todo o povo,esta parafernália tecnológica serve simplesmente de suporte à era da 'bobalização' em que vivemos.
Não há mais aquela sisudez dos meus tempos de adolescência, que fazia minhas linguagens em código ficarem timidamente guardadas só para mim, ou a vocação de alguns para o teatro exigir valentia heróica.
Antes eram raras as pessoas obesas, até porque elas se escondiam.
Hoje, não há mais pudores: as roupas de malha e moleton, amplas e cavadas mostram fartamente pessoas orgulhosas com suas gorduras, arduamente conquistadas com muitos pacotes de salgadinhos e bolachas recheados, em horas e horas plantadas diante da televisão com controle remoto. E vão agitadas, correndo para as 'lan houses', onde se esquecem da vida, transmitindo no Orkut sua linguagem econômica, resultante não da falsa pressa, dita própria dos dias de hoje e necessária, mas fruto da preguiça geral.
Preguiça de esforçar-se para aprender escrever, preguiça até de pressionar teclas, numa conversa cheia de preguiça de trocar idéias.
As preocupações são com os perigos da internet.
Será que pode ajudar, ou atrapalha nos estudos? Como evitar o assédio dos pedólatras do mundo inteiro? Como se defender dos víruses virtuais? Será que o 'internetês' vai destruir a língua-padrão?
Muita coisa mudou mesmo. Já não se confundem os artistas com marginais depravados, e nem eles precisam mais ser grandes heróis.
Hoje tudo está bem mais fácil: Para conseguir um papel principal na novela do horário nobre nem precisa de muito talento, basta ser filho de algum ator ou atriz, ou então, ter os olhos claros. Tanto faz se forem verdes, cinzas ou azuis!

domingo, 25 de abril de 2010

Padecer no Paraíso

Sempre vivi em São Paulo,cidade em que nasci. Morei em vários bairros, frequentei diversos meios, usufruindo da variedade imensa que a cidade me oferecia. Ao lado de minha paixão pela cidade, e do encantamento que as novidades me proporcionavam, também percebia o esmagamento que a grandiosidade e a velocidade podiam ocasionar no cidadão. De manhã, a população cheia de sono,cambaleava nas filas,que lotavam os ônibus que se arrastavam pela Avenida Celso Garcia,tombados de gente pendurada nas portas. Antes que o sol saísse, o povo inundava o Parque D. Pedro e subia como um enxame para o centro comercial,um labirinto de ruas frias e escuras, e se enfiava nas celas das repartições, dos escritórios, numa rotina inumana de papéis e números, por todo o dia, até que o Sol partisse, os pássaros já não cantassem mais, as flores já se tivessem fechado. Então escorriam de volta para os ônibus, e seguiam entorpecidos para os bairros,para cumprirem a rotina apressada da noite e caírem, o quanto antes, na cama que mal esquentava. Antes que o sol saísse,tudo se repetiria mais uma vez. E gente chegando,e chegando todos os dias, de todos os lados, para engrossar a disputa por uma chance,que assim diminuia mais e mais, para quem nasceu ali,na promissora cidade, e não tem para onde fugir...
Um dia acabei sendo espremido nesse esmagamento, e depois de esgotadas todas as possibilidades, fui morar no litoral.Fui morar em Peruíbe, cidade de sonhos, de férias, de lua-de-mel,onde o único semáforo servia mais como ponto de referência e para colorir o centro da cidade,que para conter o trânsito. E nem nessa pequena região asfaltada eu fui morar.
Cheguei à noite, e conforme a perua ia se enfiando pela rua de areia, a escuridão ia ficando mais densa, e fazendo parecer mil latejoulas as luzinhas repiscantes dos vaga-lumes, que vinham de dentro da negrura da floresta, como para um baile ao luar. Não tinha palavras.Não que elas não fervilhassem em minha mente, mas porque meu corpo não tinha força sequer para dizer o que quer que fosse. As despedidas breves e silenciosas, logo a perua partiu, num ruído de motor que se distanciava, diminuia, diminuia e ia embora,como se todo o mundo das máquinas se afastasse, e de repente me deixasse ali,sozinho. Agora, a realidade seria a da cidade pequena, que se gabava de, apesar de ser praiana, conservar um 'jeitinho' de cidade do interior... Uma cidade que gozava da fama de ser sossegada, vida saudável com o ar mais puro do Brasil, rodeada de Juréia,e onde até a lama cura e embeleza. Não havia rede elétrica. O bruxuleio da luz de uma vela me fez dormir.
Muito cedo acordei e fui encontrar aquela nova claridade, tão clara e tão úmida e tão silenciosa, de um recanto à beira da Mata Atlântica, em que os mistérios da mata seriam poucos, diante dos outros tantos que a 'cidade' mesma me viria a revelar.
A linha do trem, abandonada, divide a cidade em dois universos. Quando ia conhecendo os moradores, perguntavam-me sempre: 'mas, você mora do lado de cá ou do lado de lá da linha!'Do lado 'de cá' fica o mar, e beirando a praia, ruas asfaltadas e as pessoas privilegiadas. Do lado 'de lá' era a floresta e as pessoas 'condenadas'. Condenadas não só pela miséria e a dureza de viver atolado na lama, mas condenados ao preconceito,à discriminação e à exploração, de parte dos que moram nas ruas calçadas.
Eu nunca tinha defrontado tanta miséria. Famílias vivendo em barracos de madeirit, mal garantindo o que comer. Crianças expostas a um ambiente onde a criminalidade se apresentava como a grande opção para a vida.
Eu morava do lado 'de lá'. A primeira experiência marcante que tive foi o contato com as mutucas. Meus pés incharam e rebentaram inúmeras feridas pustulentas, com a picada das moscas,que revezavam entre os currais e as casas. Não sabia como vencer a inflamação e ninguém me orientou no que fazer. Além da absoluta falta de solidariedade,dispensada aos que chegam, o povo lá era marcado por um espírito de corrupção e servilismo aos poderosos do lugar. Há um ódio especial contra os paulistanos, que chegam mandando, com seus carros e seus tênis novos. O povo humilde, praticamente rasteja por alguns trocados. Há um medo de que o novo habitante tenha vindo para tirar alguma parca oportunidade,que os velhos moradores buscam a qualquer preço. No lado de 'cá', a maioria das casas são muito belas e permanecem fechadas por todo o ano. Pelas férias, desfaz-se aquele ar de cidade-fantasma, as portas-balcão se abrem, as churrasqueiras se aquecem. As ruas são invadidas por carros e o barulho altíssimo de música brega, que os veranistas põe para todo o mundo ouvir. A cidade deixa de ser um refúgio de aposentados e a juventude se espalha em total algazarra. Um dos maiores interesses dos que procuram a cidade parece ser a busca de negócios imobiliários.Com tanta gente querendo uma casa na praia, este é certamente um mercado em expansão. Mas, como o assalto às casas dos turistas é um dos esportes preferidos do povo em geral, a construção de imensos condomínios fechados vão devastando todo o resto do que foi a Mata Atlântica.
Pode parecer uma linda democracia, com gente de todo jeito misturada nos quiosques, nas noites animadas de todos os prazeres. Mas, logo se percebe que não há mistura alguma. Eu nunca tinha enfrentado tanto preconceito, tanta discriminação, que lá não são ´pecados'. O racismo em Peruíbe é explícito e aplaudido.Ouvi coisas que pensava ninguém mais diria, como ' ele é preto, mas é gente boa, tem a alma branca'. Os de lá mesmo me disseram que é devido à grande quantidade de curitibanos e catarinenses... Quando questionei a discriminação racial, ouvi de vários dos de lá, que 'não sabiam' que houvesse este tipo de discriminação ali, que pensavam que só houvessem separações por questões sócio-econômicas... Me avisaram que a prostituição lá, dava cadeia.As relações sociais e todas as outras são pautadas por deslavada hipocrisia.
Quando me envolvi com o carnaval local, pude sentir na pele até que ponto a corrupção ali era franca. E tive que suportar todo o provincianismo e a ignorância de uma gente relápsa e cheia de má-vontade. O roubo de autoria é costume geral, na comum corrida por dignidades. Passei maus bocados.De todo lado era vítima da rudeza e da desonestidade tão apreciada e enaltecida por todos. Pela primeira vez em minha vida, me vi intimado a comparecer numa delegacia de polícia, pois uma 'madame', que dera dinheiro para que sua filhinha saísse como destaque da escola, deu queixa contra mim, pois ela queria a fantasia pronta no dia seguinte. Esta história acabou em nada, obviamente, mas cheguei a passar fome,trabalhando para o Carnaval de lá, além de sofrer muitas humilhações. Apesar de ter ido me afastando cada vez mais das pessoas da 'elite' local, cheguei a participar da fundação do Conselho da Comunidade Negra de Peruíbe e da Academia Peruibense de Letras. Fiz parte do Conselho de Cultura Municipal e participei de um concurso, em que cantei uma composição minha, numa noite de imensa Lua cheia, do alto de um palanque, diante de um mar indiferente, com a praia lotada.Participei também de um concurso público, em cuja prova tive nota máxima, mas nunca ocupei o cargo, que já tinha sido criado para garantir um salário à filha de um vereador,amigo do prefeito. Em Peruíbe predomina o misticismo. A cidade é dominada pela Maçonaria, e o povo evita questionar os desmandos e as falcatruas, pois temem os maçãos,pois eles 'cultuam um deus- bode'. Todos já viram discos voadores, alguns tiveram contatos de terceiro grau e há mesmo quem já 'passeou'com os extraterrestres. Um rapazinho me contou que era vampiro, fazia parte de uma grande confraria, e que os vampiros 'não são nada disso que as pessoas falam'. Há todas as vertentes do moderno exoterismo.Do lado de 'lá', igrejas evangélicas se encontram em cada esquina, entre os barracos de madeirit, e pelas veredas acham-se oferendas em bandejas de isopor para os guias da Umbanda. Nas cachoeiras, alguidares com ebós para os deuses africanos. Quando frequentei um grupo coral de uma casa espírita,recebi um olhar inesquecível de uma mulher enorme e louríssima. Um olhar de puro ódio, em que eu podia ouví-la perguntando: 'o que esse negro está fazendo aqui?'
Vivi uns quinze anos em Peruíbe. Sem dúvida experimentei momentos maravilhosos e inesquecíveis entre a gente simples, conheci uma ou outra pessoa iluminada, mas aprendi que há muito mais 'stress' numa cidade tão pequena, do que em São Paulo, pois nas cidadezinhas a concorrência é muito mais violenta, as chances, quase nulas, e a gente é obrigado a estar muito perto de gente que não suporta a gente.
Morria de saudades da minha cidade cinza e não via a hora de poder voltar embora.

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